terça-feira, 26 de julho de 2011

Ao Mestre com Carinho.


Cotação : 4 Estrelas.

O futebol costuma ser impiedoso com aqueles que não chegam ao olimpo, vide o processo de esquecimento a que foi submetido o time brasileiro de 1950, vice campeão mundial, e mais precisamente o arqueiro do elenco, o genial Barbosa, que viveu condenado à sombra daquela derrota.
Felizmente toda regra tem exceção. O time de 82, uma das mais belas equipes de futebol já montadas, vem há algum tempo sendo reverenciada apesar de ter caído nas quartas de final, diante da Itália de Paolo Rossi. O arquiteto daquele time, Telê Santana, ganhou uma biografia emocionada de André Ribeiro, jornalista com larga experiência em futebol, autor também da biografia de Leônidas da Silva.
Desde o início como jogador, no interior de Minas, passando pela consagração no Fluminense dos anos 50, Telê já havia feito a sua opção como incansável defensor do futebol arte. Levaria essa filosofia para sua carreira de treinador, sendo campeão no próprio Fluminense (carioca -1969), no Atlético Mineiro (Brasileiro-1971), no Grêmio (Gaúcho-1977), além de uma excelente passagem pelo Palmeiras (1979) em que carimbou o seu passaporte para a Seleção brasileira. A fatalidade de 5 de julho de 1982, no estádio Sarriá, impediu a consagração daquela geração de craques, que teria ainda uma última chance, 4 anos mais tarde, em terras mexicanas. Caímos nos penâltis, diante da forte equipe francesa , liderada por Platini.
No entanto o destino seria generoso com Telê. Ao desembarcar no São Paulo futebol clube, em 1990, o treinador daria início à fase mais vitoriosa da história do tricolor paulista, culminado com duas taças libertadores e dois títulos mundiais. O futebol pagou com juros e correção monetária a enorme dívida que tinha com Mestre Telê

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A morte à espreita nos ares.

Cotação : 5 Estrelas.

Ivan Sant´Anna é um sujeito incomum. Durante quase quatro décadas foi um bem sucedido executivo do mercado financeiro, até que em 1995, deu um novo rumo à sua vida : largou tudo e foi ser escritor.
Talvez cedendo ao chamado do DNA, pois é irmão de Sérgio Sant´Anna, um dos  nossos mais aclamados ficcionistas e tio de André, um ícone da famosa “ geração 00”, Ivan se dedicou às letras com afinco, surgindo daí a sua primeira incursão no terreno da ficção, “Rapina”, um trillher, com todos os elementos dos best sellers internacionais.
 Embora bem escrito, “Rapina” deixa explícito um certo caráter comercial, que logo num primeiro momento, situou esteticamente a obra de Ivan em campo oposto aos escritos do irmão e do sobrinho.Por tudo isso, apesar de ter lido “Rapina” (que tem como tema o mercado financeiro, cenário tão conhecido do autor), nunca experimentei uma grande curiosidade sobre a obra de Ivan, ao contrário da profunda admiração que me faz alinhar entre os fãs de Sérgio.
Esse “preconceito” começou a mudar no início desse mês ao me deparar com uma matéria na revista Piauí, número 57, em que Ivan faz um longo e minucioso relato sobre o acidente envolvendo o Boeing da Gol, ocorrido em setembro de 2006. Fiquei impressionado não só pela riqueza dos detalhes, como pela clareza e a qualidade do texto.
Para quem não sabe, a Piauí é provavelmente o que de melhor há em jornalismo impresso no país. Suas matérias são referências em termos de bom jornalismo, mais especificamente do que se convencionou chamar de Jornalismo Literário. Não tive mais dúvidas : ali estava um autor de primeiro time.
Por coincidência, poucos dias depois, ao flanar pela feirinha de livros que voltou a ser montada na Praça Seans Pena (Tijuca- Rio de Janeiro), me deparo com o primeiro livro de não ficção de Ivan, lançado em 2000, e que trata, assim como na matéria da Piauí ( que na verdade é uma prévia de seu próximo livro), de acidentes aéreos, “Caixa Preta”.
Definitivamente, preconceito é coisa das mais atrasadas. Por conta disso, perdi 11 anos para conhecer o livro. Trata-se de uma obra prima.
Aviação é um tema caro à Ivan pois é uma de suas paixões, já que ele foi aviador amador durante muitos anos. Essa intimidade com a causa, aliada à uma obstinação profunda na busca de detalhes e entrevistas com personagens, temperada por uma veia fantástica de escritor, capaz de transformar as mais de 300 páginas de “Caixa Preta”  em um filme de aventura ( e , em muitos momentos, de terror), fazem a leitura fluir na mesma velocidade e emoção dos acontecimentos narrados.
Ivan investiga três dos acidentes mais terríveis da história da aviação brasileira : O primeiro (e mais famoso) foi o do vôo RG-820 que em julho de 1973 fazia a rota Rio- Paris e, poucos momentos antes de atingir o aeroporto de Orly, na capital francesa, foi acometido por um incêndio e teve que descer em uma horta nos arredores da cidade. Nesse acidente, morreram, entre outros, o cantor Agostinho dos Santos, o Senador (e Chefe do Dops durante o Estado Novo), Filinto Muller e o narrador esportivo da TV Globo, Júlio Delamare.
A segunda parte relata o seqüestro do vôo VP-375, que ao fazer o trecho Belo Horizonte- Rio de Janeiro, em setembro de 1988, foi desviado para Brasília por um trabalhador desempregado, armado com um revólver 38, e que, enlouquecido, queria jogar o avião contra o Palácio do Planalto. Aqui destaca-se a figura mais marcante do livro, o piloto (e herói) Fernando Murilo, a quem “Caixa Preta” justamente é dedicado.
Por último há o desesperador acidente do RG-254. Ocorrido quase um ano depois do seqüestro do VP-375, exatamente no dia em que o Brasil vencia o Chile no Maracanã , se classificando assim para a Copa do Mundo de 1990.
Saindo de Imperatriz, no Maranhão, rumo à Belém, um erro primário cometido pelo comandante, desviou o avião por mais de 1000 quilômetros da rota. O boeing ficou horas perdido sobre a floresta, até que teve que teve que aterrisar (cair seria o termo mais correto) sobre as árvores da mata fechada do interior do Mato Grosso. O inferno vivido por tripulantes e passageiros é recontado em detalhes apavorantes.
Disso tudo, o que mais chama a atenção na primorosa obra de Ivan Sant´Anna e talvez seja o grande motivo de ela ser tão especial, é a dimensão humana que o autor consegue dar as tragédias. Em cada relato (baseado nas investigações e sobretudo no testemunho dos sobreviventes) os pequenos dramas da vida de cada um não são negligenciados. Ao avançar das páginas, vamos conhecendo aquelas pessoas e, não raro, se emocionando e torcendo por elas. Infelizmente, para muitos a torcida não surtiu efeito.
Como se não bastasse, há ainda um minucioso levantamento do que aconteceu aos sobreviventes após os respectivos acidentes, além do levantamento completo das fontes que fundamentam o livro.
Uma obra seminal, que testemunha os segundos angustiantes em que a vida entra em luta corporal com a morte. Tudo registrado pelas caixas pretas.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O uivo afinado do Lobo.

Cotação : 4 Estrelas.

Engraçado. Sempre tive a sensação de que Lobão era muito mais incensado por suas polêmicas aventuras do que por seu talento musical.
Apesar de músico precoce, pois aos 17 já respondia pelas baquetas do Vímana, grupo de rock “nacional progressivo” (se é que algum dia isso existiu) que contava ainda com dois futuros astros do boom do pop-rock brazuca dos anos 80, Ritchie e Lulu Santos, João Luiz Woenderbag Filho já naquela época (meados dos anos 70) mostrava que, a exemplo do Velho Guerreiro, vinha mais para confundir do que para explicar : Foi o responsável direto pela morte do grupo ao se envolver com a mulher de Patrick Moraz, o tecladista do Yes, que havia resolvido largar a banda mundialmente famosa para tocar com a garotada brasileira. Seria a primeira das muitas confusões envolvendo o Lobo ensandecido.
Em paralelo com a sua “agitada” carreira, Claudio Tognolli (co- autor do livro) arranca de Lobão depoimentos marcantes sobre a sua acidentada trajetória familiar, culminando no difícil relacionamento com o pai e no suicídio da mãe. Talvez parte da inquietude da persona publica do músico possa ser explicada por esses episódios.
Voltando à arte, Lobão narra a sua convivência com amigos fundamentais, como Marina, Cazuza e Júlio Barroso (fundador da breve Gang 90), a sua entrada na Blitz (o nome foi sugestão sua) e a saída ruidosa, com a banda no auge (fator até hoje de desconforto com Evandro Mesquita), passando pelo início da carreira solo pontuada por guerras com as gravadoras e a militância nas drogas, que lhe deu à aura eterna de marginal, ratificada pelas prisões em série que sofreu.
Um bom livro, que passa a limpo uma vida singular, movida a excessos e paixões desmedidas. Exagerado, como o amigo Cazuza.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Manual de otimismo.


 Cotação : *****

“Todo fim de ano traz uma crescente quantidade de informações que fortalece uma tese que defendo há muito tempo: há, no Brasil, um número muito maior de pessoas que se dedicam a melhorar a vida de seus concidadãos do que o punhado de gente que, em Brasília, trabalha em sentido contrário.”
O trecho acima, retirado da página 174 de “Histórias do Brasil Profundo”, ilustra de forma clara o objetivo primordial da obra : divulgar as inúmeras iniciativas desenvolvidas país afora, documentadas ao longo dos anos por Márcio Moreira Alves em sua antiga coluna no Globo, hoje ocupada por Merval Pereira.
Márcio, falecido em abril de 2009, cuja atuação política ficou marcada pelo famoso discurso proferido na Câmara dos Deputados em 68, utilizado como pretexto para o AI-5, nos dá o emocionado testemunho de quem fez do colunismo político uma trincheira permanente de combate aos males que assolam o país. Publicada de terça a sábado, o jornalista dedicava a última coluna da semana justamente para injetar essa dose de otimismo, destacando as boas ações de (alguns) governos e da sociedade civil organizada no intuito de apontar um caminho a ser seguido. Esses artigos são a base de “Histórias” e também gerariam ainda outros livros, como o sugestivamente intitulado “Sábados Azuis”.
Há ainda uma declaração de princípios que esclarece a posição de Márcio Moreira Alves em relação a aspectos formais do jornalismo moderno, como nesse exemplo, retirado da página 178 :
“Eu não invento nada. Só conto o que vejo. Até mesmo com os políticos me comporto assim. Acredito em tudo que eles me contam. Só que não publico. Ou, se o faço, dou nome aos bois.Essa história de passar informações anônimas adiante, creditando-as a “altas fontes do Planalto”, não é comigo.Altas fontes do Planalto são chafarizes nos jardins do segundo andar. As outras têm nome, telefone e número de sala.”
            Mas o que interessa e encanta nessas histórias do Brasil profundo, é mesmo a constatação de que um outro país é possível, independentemente de partidos e políticos, como salienta o próprio autor :
           
“Devagar, o povo vai construindo um Brasil diferente.”

Fé e Luta.

Um dos mais influentes intelectuais do país, Frei Betto, ao publicar “Batismo de Sangue”, prestou um inestimável serviço à nossa Literatura histórica. Seu relato sobre a caçada implacável a Carlos Marighela e o calvário de Frei Tito, expuseram de forma crua a ainda incômoda ferida dos anos mais duros da Ditadura Militar. Há uma percepção clara de que os abnegados que pegaram em armas contra o governo, no fundo, mais do que uma pretensa guinada comunista, queriam de fato uma sociedade mais igualitária, imbuída dos princípios mais básicos do cristianismo, daí talvez o envolvimento tão radical dos dominicanos com as várias organizações de esquerda do período, em especial com a ANL.
O autor, apesar de personagem central de boa parte dos acontecimentos tratados na obra não se furta a jogar luz sobre a trajetória de companheiros, que em maior ou menor grau, se martirizaram em uma luta, que desde o seu início, se configurava em ato quase suicida.
Não é de todo absurdo, entender “Batismo de Sangue” como a tradução literária  do título Glauberiano, “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, onde o delegado Sérgio Fleury encarnaria à perfeição o mítico animal em perseguição mortal à Frei Tito. Este último, por sinal, após sofrer as mais terríveis torturas físicas e mentais, sofreria por anos a fio as seqüelas da repressão. A narrativa da perda progressiva de sua sanidade talvez seja o momento crucial do livro. Exilado, distante de sua luta e de seu país, Frei Tito permaneceria em solo francês embora sua alma seguisse encarcerada no DOP’s paulista, sofrendo as sevícias impostas pelo dragão Fleury. A liberdade só viria com o ato extremo. Tito descerrou sua alma enlaçando uma corda no pescoço. Seu martírio terminara.
A aridez daqueles tempos, quando contada com o lirismo de Frei Betto, pode até desencadear em alguns desavisados o sentimento de ter se aventurado sobre as nuvens da ficção. Infelizmente estão errados. Foi tudo verdade.