sábado, 25 de janeiro de 2014

A Espiral do Tempo


Cotação : 5 estrelas


Viagens no tempo são um clichê da ficção. Desde a famosa série “Cavalo de Tróia”, de J.J Benítez, passando pela sequência cinematográfica que fez a glória de Michael J. Fox, voltar ao passado, ou avançar para o futuro, e modificar os fatos é ideia recorrente entre diversos criadores. “Novembro de 63”, uma das mais recentes empreitadas de Stephen King, parte desse mote para romantizar sobre um dos episódios mais marcantes da história americana e mundial, cujo cinquentenário no ano passado, originou um sem número de iniciativas : o brutal assassinato de Kennedy, no Texas, em 1963.
Embora muitos torçam o nariz à simples menção de seu nome, o mestre do terror e da fantasia, responsável por títulos de expressão como “Carrie, a Estranha”, “O iluminado”, “Cristine” e “ À Espera de um Milagre”, é muito mais do que um prolífico autor de best sellers. Sua influência pode ser medida não só pela quantidade considerável de obras cinematográficas e séries televisivas derivadas de sua obra, como também pelo aparecimento de uma substancial geração de autores que, mesmo que inconscientemente, beberam em suas fontes. Não seria totalmente absurdo identificar nos escritos de J.K Rowling (a mãe de Harry Potter), George R.R Martin (o pai de Game of Trones, embora ele seja da mesma geração de King), Stephenie Meyer (Crepúsculo) e até nos dos brasileiros André Vianco e Eduardo Spohr, traços inconfundíveis do DNA do autor americano, em maior ou menor grau.
O livro em si, publicado no Brasil pela Suma das Letras (selo da Objetiva) em edição caprichada de volumosas 728 páginas, é um primor dentro daquilo que se propõe : Entretenimento genuíno, altamente legível, com doses bem equilibradas de suspense , emoção e romance, como convêm à um produto da chamada “cultura de massa”. E , acreditem, isso está longe de ser uma crítica negativa.
O personagem principal é o professor Jake Epping, que logo no começo da trama, se comove com a redação de um aluno já idoso de sua turma de alfabetização de adultos, o faxineiro Harry Dunning. Em seu texto, Harry conta a tragédia que acometeu sua família há mais de 50 anos, quando seu pai, embriagado, promoveu uma chacina, matando sua mãe e seus irmãos. Jake fantasia sobre voltar no tempo, evitar o assassinato e moldar um novo destino para Harry. Essa fantasia se concretiza quando o professor é convocado por Al, o dono da lanchonete da cidade, a conhecer a “toca do coelho”, uma fenda temporal escondida nos fundos da despensa do estabelecimento, e que permitiria uma volta ao ano de 1958.
Al , que já tinha utilizado a fenda várias vezes, faz então uma proposta a Jake : entrar na fenda e , durante cinco anos, viver no passado até completar a grande intervenção que ele não teve tempo nem saúde para completar : evitar o assassinato do Presidente.
A partir daí, Jake passa a viver uma existência dupla, como um simples professor de secundário dos míticos anos 50, onde inesperadamente encontra sua cara metade , Sadie, que terá importância capital no enredo, e como uma espécie de “exterminador do futuro”, monitorando cada passo do assassino, Lee Oswald, visando interceptá-lo o quanto antes.
A grande maestria de King é transformar uma história já conhecida, em uma trama de final imprevisível, com cada capítulo construído numa crescente de tensão e suspense, alternando com o drama do romance “quase” impossível com Sadie. Certamente alguns leitores mais sensíveis devem ter torcido para que Jake desistisse de sua missão...
Acrescido a isso, há o imponderável atuando o tempo todo, pois o passado aparece como um obstáculo aos objetivos de Jake, resistindo com todas as forças à mudança brusca que está para acontecer, como que alertando das terríveis alterações advindas do “efeito borboleta”.
A sensação é que “Novembro de 63” é um gigantesco apanhado das inegáveis qualidades de um autor que já vendeu mais de 350 milhões de cópias, além de ser o nono mais traduzido no mundo. Todos os truques dos grandes romancistas estão lá, inclusive um final carregado de lirismo, fazendo da obra fortíssima candidata à uma adaptação cinematográfica de impacto.
Pode ser que, em nossos dias, Stephen King não tenha assento à mesa da grande literatura americana, composta de cânones como Hemingway, Updike, Fitzgerald, Steinbeck, Edgar Allan Poe; mas ouso afirmar que o futuro não será indiferente à sua valiosa contribuição de ficcionista. Talvez, não seja preciso nem recorrer à toca do coelho para comprovar isso.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Os Impagáveis personagens de Ipanema.



Cotação : 5 estrelas

Antes de escrever sobre o livro propriamente dito, não posso deixar de lembrar da ocasião curiosa em que o adquiri. No dia 6 de setembro de 2001, uma quinta feira, por volta das 6 da tarde, eu estava caminhando ente as barraquinhas da tradicional feira do livro, no Largo da Carioca, centro do Rio de Janeiro, fazendo hora para a minha aula na pós graduação. Do outro lado da feira, estava o Ruy, acompanhado de sua esposa, a também escritora Heloísa Seixas, folheando alguns volumes. Deixando a timidez de lado, fui abordá-lo dizendo que era seu fã e aproveitei para comprar um livro ali mesmo para que pudesse levar o exemplar autografado. Ruy pacientemente esperou que eu fizesse a compra e ,sempre muito gentil, autografou com uma caprichada dedicatória. Foi o meu primeiro encontro com o escritor.
O livro em questão era justamente "Ela é carioca". Uma coletânea com alguns dos personagens mais icônicos de Ipanema, anônimos ou não. Uma verdadeira aula sobre a cultura da cidade mais linda do mundo, sempre com a escrita fascinante e bem humorada do autor.
Só para ter uma idéia dos achados da obra, segue um breve resumo de um dos verbetes mais interessantes : Hugo Bidet.
Hugo Bidet era um artista plástico, escritor e figuraça de Ipanema. O apelido, que virou sobrenome, nasceu de um improvável episódio : Ao oferecer uma feijoada em seu minúsculo apartamento, na falta de panelas e recipientes adequados para colocar de "molho" os salgados, Hugo recorreu à nobre peça do banheiro do imóvel.
Amigo de Leila Diniz e outras figuras típcas do bairro( muitas também retratadas no livro), em meio à uma crise depressiva Hugo resolveu cometer suicídio. Pegou um revólver, colocou o cano na boca e atirou. Surpreendentemente não morreu !! E, arrependido logo depois, ainda desceu à entrada do prédio para procurar ajuda.

Ipanema é única. Ruy Castro também.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A Tijuca em cartaz


Cotação : 5 estrelas

Pode ser que eu esteja equivocado, mas a grande maioria dos ensaios acadêmicos fica restrita aos muros das universidades e, salvo nos casos em que adotados como bibliografia de disciplinas importantes, não passam da primeira edição. Nesse sentido, o fato de “A Segunda Cinelândia Carioca”, da pesquisadora Talitha Ferraz, lançado originalmente em 2010, já estar em sua segunda edição, pela editora Mórula, dá um destaque incomum a uma obra desse gênero.
Fruto de uma tese de pós graduação defendida na ECO da UFRJ, o livro aborda o período áureo do século passado (notadamente entre as décadas de 40 a início dos 70) em que a praça Seans Peña, logradouro símbolo da Tijuca, era a meca cinematográfica da zona norte carioca.
A autora, também moradora do bairro e testemunha dos últimos momentos da Praça como uma “Cinelândia alternativa”, conjuga com maestria as observações e citações teóricas que estruturam a pesquisa, com depoimentos, memórias e reminiscências de antigos moradores e frequentadores do local, o que dá um colorido único ao trabalho, proporcionando um alcance bem mais amplo do que o que normalmente aconteceria.
Para os tijucanos e moradores das redondezas que eram adolescentes no final dos anos 80, início dos 90, como foi o meu caso, “ A Segunda Cinelândia Carioca” representava o papel que hoje cabem  aos shoppings : um local permanente de compras e lazer, rota obrigatória dos finais de semana ou das tardes livres. Ainda nessa época, dominavam a cena o velho América (hoje uma drogaria), o imponente Carioca (igreja), o simpático Bruni Tijuca (nos fundos de uma galeria, onde hoje funciona um laboratório de análises clínicas) os Arts Tijuca (1 e 2) , o Tijuca (1 e 2, onde hoje é a Casa e Vídeo) e Tijuca Palace 1 e 2. Felizmente tive a oportunidade de conhecê-los.
Além desses, Thalita nos dá notícia da formação, auge e decadência de outras salas que fizeram a glória da Praça : Metro Tijuca, que ilustra a capa e que nos anos 70 deu lugar à C&A (irônico que nos meus tempos de colégio era comum marcar encontro em frente à loja, justamente para irmos ao cinema...), Studio Tijuca (na Desembargador Isidro), Cine Rio, Excelsior, e vários outros espaços de maior ou menor repercussão. No entanto, o grande cinema da localidade enfocado pela obra, talvez seja o Olinda, que de sua inauguração, em 1940, até encerrar as atividades, 32 anos depois, reinou soberano com seus 3500 lugares tomando toda a lateral da Praça onde hoje está o shopping 45. Era um dos maiores da América Latina.
A obra também avança ao fazer inventário dos “poeiras” e outras salas que ficavam nas vizinhanças, incluindo aí a área que vai do Rio Comprido até a Rua Uruguai.
É interessante ressaltar que o volume levanta diversas teses para investigar as causas da decadência que assolou a região, principalmente a partir dos anos 70. A especulação imobiliária, a própria mudança da dinâmica de exibição cinematográfica ( que inclusive chacinou a Cinelândia original, hoje restrita ao Odeon e ao Rex, já há alguns anos um cinema pornô) e um componente curioso apontado em muitos depoimentos como a sentença de morte da Praça e seus cinemas, segundo a configuração clássica dos anos “dourados” : a chegada do metrô, com as obras que tornaram caótica a circulação na área e, após a inauguração, a transformação da Seans Peña em local de passagem, abrindo caminho ao abandono e à violência, que ainda hoje, embora de forma não tão acentuada quanto no começo do século XXI, ainda  é uma das mazelas do lugar.
 Em resumo pode-se afirmar que em suas breves 240 páginas, Thalita Ferraz utiliza o cinema como mote para nos legar uma contribuição notável ao entendimento da construção de um espaço público ímpar na geografia urbana carioca. Afinal, a velha Praça ainda ocupa imenso espaço no coração dos tijucanos de todas as gerações.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Reflexões, obsessões, pensamentos e fragmentos de memória do velho trovador canadense.




Cotação 4 estrelas
 
Não, não é uma autobiografia.

Apesar da editora, talvez por falta de opção, ter assim classificado o livro de Neil Young, o leitor desavisado que tiver a expectativa de revelações ou pormenores cronológicos da vida e da carreira de um dos nomes mais influentes do pop rock dos últimos 50 anos, vai se decepcionar redondamente.

Apesar dessa ressalva, a leitura de “Neil Young- A autobiografia”, nos deixa mais intímos do criador de “Keep rockin´ in the free world” e “Cinnamon Girl” e a prosa honesta e direta do cantor surpreende pela fluência de um bate papo no bar da esquina. As quase 400 páginas do volume descem leves como uma pluma e deixam à mostra uma personalidade única no universo da música.

Não sei se algum de vocês acredita em astrologia, mas é inevitável a detecção de algumas coincidências entre dois ilustres representantes escorpianos do dia 12/11. Além de Young, Paulinho da Viola, também veio ao mundo nessa mesma data (fato menos importante, mas de certa forma revelador : o autor dessas linhas se alinha ao mesmo grupo). No documentário de 2003, “Meu Tempo é Hoje” , dirigido por Izabel Jaguaribe e roteirizado por Zuenir Ventura, o mestre portelense deixa claro o seu desprezo pelo tempo regular, por exemplo quando se esmera na reforma de um velho carro, montado e desmontado em eternas reformas. Neil Young em seu livro também partilha desse mesmo desprezo : os episódios e  suas muita particulares versões, são apresentados em uma cronologia própria, sem qualquer compromisso com a recomendação do mercado editorial de “facilitar” a vida do leitor. Também é sintomática  a paixão desenfreada por carros, que consome páginas e páginas da obra em descrições minuciosas das características e circunstâncias de aquisição de cada modelo da gigantesca coleção do músico. Alguns em estado pleno de conservação e uso, outros aguardando por séculos uma vaga para restauração, assim como o velho carro de Paulinho.

Outra das paixões de Young é o ferromodelismo, que o levou até mesmo a ser sócio minoritário de uma das mais tradicionais empresas do setor. Inclusive o livro abre com esse tema, quando na primavera de 2011, Neil recebe de presente mais um “trenzinho” para a sua coleção.

É claro que, apesar de ser um livro surpreendente e que não cabe nas classificações formais de gênero, boa parte dele, para alívio de muitos leitores, é sim composta por música ou pela visão muito particular que o autor tem dela. Por sinal, nunca é demais lembrar, que não há fómulas para a música de Neil Young. Ele tanto pode navegar pelas águas muito conhecidas do folk , adentrar as cavernas do hard rock, homenagear o rockabilly ou brincar com experimentações eletrônicas...Essas duas últimas iniciativas, inclusive, o levaram a enfrentar um processo por parte da Geffen, inconformada por Neil Young produzir “música atípica” de Neil Young...

O fato é que a coerência que permeia a sua carreira multifacetada, onde nada é previsível e tão pouco por acaso, é o mote dessa “falsa” autobiografia. O velhinho canadense é fiel à dedicação quase obsessiva por seus projetos (entre eles, quase ia me esquecendo, a criação de um novo padrão de arquivo sonoro, o Pure Tone, mais próximo da antiga robustez do vinil), seus hobbies e, sobretudo, pelo seu supremo amor  pela música.

Aliás não podia ser diferente, vindo de quem escreveu o verso “Rock and Roll will never die...”