Cotação : 5 estrelas
Viagens no tempo são um clichê da
ficção. Desde a famosa série “Cavalo de Tróia”, de J.J Benítez, passando pela
sequência cinematográfica que fez a glória de Michael J. Fox, voltar ao
passado, ou avançar para o futuro, e modificar os fatos é ideia recorrente
entre diversos criadores. “Novembro de 63”, uma das mais recentes empreitadas
de Stephen King, parte desse mote para romantizar sobre um dos episódios mais
marcantes da história americana e mundial, cujo cinquentenário no ano passado,
originou um sem número de iniciativas : o brutal assassinato de Kennedy, no
Texas, em 1963.
Embora muitos torçam o nariz à simples
menção de seu nome, o mestre do terror e da fantasia, responsável por títulos
de expressão como “Carrie, a Estranha”, “O iluminado”, “Cristine” e “ À Espera
de um Milagre”, é muito mais do que um prolífico autor de best sellers. Sua
influência pode ser medida não só pela quantidade considerável de obras
cinematográficas e séries televisivas derivadas de sua obra, como também pelo
aparecimento de uma substancial geração de autores que, mesmo que
inconscientemente, beberam em suas fontes. Não seria totalmente absurdo
identificar nos escritos de J.K Rowling (a mãe de Harry Potter), George R.R
Martin (o pai de Game of Trones, embora ele seja da mesma geração de King),
Stephenie Meyer (Crepúsculo) e até nos dos brasileiros André Vianco e Eduardo
Spohr, traços inconfundíveis do DNA do autor americano, em maior ou menor grau.
O livro em si, publicado no Brasil pela
Suma das Letras (selo da Objetiva) em edição caprichada de volumosas 728
páginas, é um primor dentro daquilo que se propõe : Entretenimento genuíno,
altamente legível, com doses bem equilibradas de suspense , emoção e romance,
como convêm à um produto da chamada “cultura de massa”. E , acreditem, isso
está longe de ser uma crítica negativa.
O personagem principal é o professor Jake
Epping, que logo no começo da trama, se comove com a redação de um aluno já
idoso de sua turma de alfabetização de adultos, o faxineiro Harry Dunning. Em
seu texto, Harry conta a tragédia que acometeu sua família há mais de 50 anos,
quando seu pai, embriagado, promoveu uma chacina, matando sua mãe e seus
irmãos. Jake fantasia sobre voltar no tempo, evitar o assassinato e moldar um
novo destino para Harry. Essa fantasia se concretiza quando o professor é
convocado por Al, o dono da lanchonete da cidade, a conhecer a “toca do
coelho”, uma fenda temporal escondida nos fundos da despensa do estabelecimento,
e que permitiria uma volta ao ano de 1958.
Al , que já tinha utilizado a fenda
várias vezes, faz então uma proposta a Jake : entrar na fenda e , durante cinco
anos, viver no passado até completar a grande intervenção que ele não teve
tempo nem saúde para completar : evitar o assassinato do Presidente.
A partir daí, Jake passa a viver uma
existência dupla, como um simples professor de secundário dos míticos anos 50,
onde inesperadamente encontra sua cara metade , Sadie, que terá importância
capital no enredo, e como uma espécie de “exterminador do futuro”, monitorando
cada passo do assassino, Lee Oswald, visando interceptá-lo o quanto antes.
A grande maestria de King é transformar
uma história já conhecida, em uma trama de final imprevisível, com cada
capítulo construído numa crescente de tensão e suspense, alternando com o drama
do romance “quase” impossível com Sadie. Certamente alguns leitores mais
sensíveis devem ter torcido para que Jake desistisse de sua missão...
Acrescido a isso, há o imponderável
atuando o tempo todo, pois o passado aparece como um obstáculo aos objetivos de
Jake, resistindo com todas as forças à mudança brusca que está para acontecer,
como que alertando das terríveis alterações advindas do “efeito borboleta”.
A sensação é que “Novembro de 63” é um
gigantesco apanhado das inegáveis qualidades de um autor que já vendeu mais de
350 milhões de cópias, além de ser o nono mais traduzido no mundo. Todos os
truques dos grandes romancistas estão lá, inclusive um final carregado de
lirismo, fazendo da obra fortíssima candidata à uma adaptação cinematográfica
de impacto.
Pode ser que, em nossos dias, Stephen
King não tenha assento à mesa da grande literatura americana, composta de
cânones como Hemingway, Updike, Fitzgerald, Steinbeck, Edgar Allan Poe; mas
ouso afirmar que o futuro não será indiferente à sua valiosa contribuição de
ficcionista. Talvez, não seja preciso nem recorrer à toca do coelho para
comprovar isso.