Cotação : 4 estrelas
A cidade de Barbacena pode ser lembrada
como a sede da Escola Peparatória de Cadetes do Ar (Epcar), colégio onde a
Aeronáutica prepara seus futuros oficiais. Também aparece nas enciclopédias
como cidade natal de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, um dos políticos mais
importantes da história do Brasil, com atuação destacada na Revolução de 30.
Mas, a grande fama do município mineiro vem mesmo de sua acidentada relação com
os tempos mais sombrios da psiquiatria. Era lá que ficava a Colônia, um imenso
conjunto de instituições dedicadas à saúde mental, mas que na prática eram
câmaras dos horrores, que reproduziam ferozmente os procedimentos medievais que
marcaram esse ramo da medicina até bem recentemente. Trazer à tona os detalhes
dessa triste história, foi o que motivou a jornalista Daniela Arbex a escrever
“O Holocausto Brasileiro” (Geração Editorial, 2013).
Projeto nascido de uma série de
reportagens publicadas na “Tribuna de Minas”, jornal de Juiz de fora, o livro
estima o óbito diário de 16 pacientes em pelo menos 11 anos de funcionamento da
instituição (1969-1980), o que justificaria o título comparando a tragédia mineira
ao genocídio de judeus durante a Segunda Guerra.
Marcada por anos de procedimentos
desumanizados, o tratamento psiquiátrico praticado na colônia (a bem da verdade
não só lá) reduzia qualquer elemento de identificação da condição humana em
seus internos. Os pacientes viviam vagando pelos pátios, em sua grande maioria
nus, prisioneiros de seus delírios e obsessões escatológicas. Não era incomum
que muitos matassem a sede com a água de esgoto que corria livremente pelos
pátios. Outros, frequentemente eram flagrados ingerindo excrementos (os
próprios e dos outros), inclusive mulheres grávidas, que, em uma demonstração
algo distorcida do instinto materno, esfregavam fezes em suas barrigas na intenção de evitar a aproximação dos
funcionários, pois julgavam que eles estariam ali para roubar os seus filhos.
A longa exposição dos cruéis relatos que
aniquilaram histórias pessoais, não só de enfermos como também de pessoas
supostamente saudáveis e que eram internadas em Barbacena por interesses vis
(há casos de mulheres violentadas fazendeiros, idosos vítimas de golpes, etc),
por vezes fornecem uma aura sensacionalista à empreitada, aliado a isso, soa
estranho que , embora diversos funcionários e médicos condenassem aquele
cenário, o “sistema”, em sua lógica implacável e impessoal, seguia triturando
vidas em suas engrenagens. É claro que à distância e sem entrar mais a fundo no
contexto da situação, parece fácil julgar, mas teria sido interessante que o
viés investigativo da obra explorasse um pouco mais as causas e responsáveis
por tantas atrocidades. Afinal, o “sistema”, no fundo é sustentado por pessoas e
atitudes individuais.
Apesar dessa ressalva, o saldo é
indiscutivelmente positivo. “O Holocausto Brasileiro” colocou no mapa a
realidade dura da psiquiatria pré movimento antimanicomial e embora estejamos
ainda longe de garantir um atendimento universalmente humanizado aos pacientes
de distúrbios mentais (sobretudo aos mais graves), a crescente conscientização
dos profissionais de saúde e da sociedade em geral, tornam pouco provável a
recorrência dos fatos lamentáveis narrados por Daniela Arbex. Parafraseando o célebre slogan de uma famosa
série de TV, fatos esses que nos levam a crer que muitas vezes a insanidade
está lá fora.