domingo, 24 de junho de 2012

O verdadeiro superpop.




Cotação : 3 estrelas



Poucas pessoas são tão identificadas com o universo pop quanto Nelson Motta. Certa vez, Astrid Fotenelle, Vdj de primeira hora da MTV, disse que logo que as conversações sobre a instalação da emissora americana no Brasil foram iniciadas, o nome de Nelsinho foi um dos primeiros a ser considerados.

De alguns anos para cá, toda essa veia criativa do jornalista, produtor, compositor, roteirista e apresentador de TV, vem sendo usada a serviço da literatura, tanto a de não ficção, em que diga-se de passagem, tem sido muito bem sucedido, quanto a ficcional, onde longe de produzir obras primas (e esse nem é o seu objetivo) vem desempenhando um bom papel em títulos fiéis ao seu estilo jovem e descontraído.

“Força Estranha” é a primeira incursäo de Motta nas narrativas curtas. O espírito pop citado no íncio se faz presente, desde a capa bem bolada , com chamadas sensacionalistas dos contos ali contidos, permanecendo por todo o livro, misturando propositadamente memórias, ficção e fragmentos de relatos. Certos personagens são claramente alter egos do autor, outros, livremente inspirados em amigos (como por exemplo o jornalista Eduardo Bueno, retratado quase que fielmente no conto sobre a Copa da Argentina).

O saldo é positivo, com destaque para as duas histórias que fecham o pequeno volume : uma que estabelece um link entre personagens de diferentes contos e outro, supostamente explicativo da construção do livro, e que presta uma bela homenagem aos contadores de causos pelo Brasil afora.

Se não chega a fazer frente às suas outras incursões na ficção, “Força Estranha”  tem o mérito da leveza e da diversão tão caras a seu autor. Literatura de entrenimento, sem culpa. 

domingo, 17 de junho de 2012

Nelson dissecado em obra prima de Ruy Castro


Cotação : 5 Estrelas


É difícil resumir em palavras a minha profunda admiração por Ruy Castro. Muito mais fácil será falar do livro que inaugurou a minha relação de "leitor apaixonado" (título de seu mais recente livro) com a obra do autor.

"O Anjo Pornográfico", que eu comprei na véspera do natal de 1994, é a biografia definitiva sobre Nelson Rodrigues, nosso maior dramaturgo e um dos grandes jornalistas de todos os tempos. A grandeza do livro está nas inúmeras passagens interessantes que através da história do escritor repassam um período significativo da vida brasileira. Na impossibilidade de resumir todas, fico com aquela que mais me emocionou.

Em 29 de dezembro de 1929, uma tragédia abalou a família Rodrigues. Roberto, um dos talentosos filhos de Mário Rodrigues, foi brutalmente assassinado por uma socialite enlouquecida que entrou de arma em punho na redação do jornal dos Rodrigues à procura do patriarca. Dias antes, o diário havia publicado uma notícia sobre sua separação, o que a deixou revoltada. Como Mário Rodrigues estava ausente, ela atirou em seu filho, hábil cartunista, que também atuava no jornal.

O fato arrasou a família, levando Mário Rodrigues à depressão e à morte, meses depois.
Em 1943, Nelson Rodrigues, que na época do assassinato do irmão era um adolescente de 17 anos, estreou a revolucionária "Vestido de Noiva", a peça que iria mudar radicalmente o teatro brasileiro de então. Nelson escrevia a peça à noite, após o expediente no jornal. Durante o dia, sua esposa datilografava o texto e imúmeras vezes ligava para a redação : "Nelson, deve ter alguma coisa errada. Eu não estou entendendo nada. É assim mesmo ?" Ele respondia : "Pode datilografar do jeito que está."

Nelson criou, pela primeira vez no nosso teatro, ações simultâneas em que o passado, o presente e a imaginação da personagem principal se alternavam no decorrer da peça.O texto chamou a atenção de um diretor refugiado da guerra, recém chegado ao país, Ziembinski, que ensaiou um grupo de teatro amador para uma apresentação única, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

No dia da estréia, Nelson estava com a família em um camarote. Extremamente nervoso, não tinha certeza se a platéia estava preparada para o que seria encenado.

Abrem-se as cortinas, começa o espetáculo. Os vários planos de ação da peça são apresentados.No fim do primeiro ato, aplausos protocolares.No segundo ato a ação se intensifica. Os aplausos do final se resumem a alguns poucos, puxados por amigos e pela família.Entra o terceiro ato, a platéia fica estupefada. Dessa vez nem sua mãe aplaudiu.Nelson a custo se mantêm no teatro até o fim da peça. Já via se desenhando o fracasso, a humilhação suprema de uma vaia monumental...

Finalmente o espetáculo termina. A cortina se fecha. Longos segundos de silêncio torturam ainda mais Nelson que, aquela altura, já quase chorava, quando lentamente irrompe um, dois , três aplausos, até desaguar em uma ovação consagradora como poucas vezes se viu no Municipal. No meio da confusão e dos "vivas e bravos" vigorosos, alguns começaram a gritar: "O autor, o autor !" Nelson, que ocupava com a família um discreto camarote, não era visto pela multidão que consagrava a sua criação. Acabou acidentalmente ignorado em seu momento mais glorioso.

Após a apresentação, o elenco foi comemorar o sucesso em um dos muitos restaurantes chiques que ficavam na Cinelândia. Nelson não foi. Tinha acabado de inventar o Teatro brasileiro moderno, mas não tinha dinheiro para a despesa. Preferiu ficar com a família e esperar a lotação para voltar para casa. Já era madrugada. Começava o dia 29 de dezembro de 1943, décimo quarto aniversário de morte de seu irmão Roberto.

Só por esse episódio "O Anjo Pornográfico" merece figurar entre as obras primas da literatura não ficcional brasileira.

sábado, 9 de junho de 2012

A volta ao mundo do samba em 80 textos.


Cotação : 4 estrelas


Tarik de Souza faz parte de um seleto grupo de profissionais que formataram o nosso jornalismo musical : João Máximo, Luiz Pimentel, Jamari França, Tom Leão, Carlos Albuquerque, Arthur Dapieve, entre outros.

Como um dos decanos dessa turma, ele mostra intimidade com o gênero na coletânea de textos que compõe “Tem Mais Samba”, publicação caprichada da Editora 34.

O passeio segue uma certa cronologia, ao iniciar com as bases lançadas ainda na chamada “época de ouro” da MPB, quando imperavam os sambistas do Estácio (Ismael Silva à frente) e alguns dos maiores criadores do estilo, como Sinhô e Noel Rosa. Tudo, devidamente gravado pelos pioneiros ídolos do disco, Francisco Alves (também “comprositor”) e Carmem Miranda.

O panorama segue com um avanço sobre o samba canção, que monopolizou o período pré bossa nova, com Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues e Jamelão, talvez o maior intérprete do gaúcho. O sambão de raiz não poderia faltar. Passam pela pena de Tárik, os Nelsons, Sargento e Cavaquinho, Elton Medeiros, Paulinho da Viola, João Nogueira, Clara Nunes, Candeia, D. Ivone Lara, Martinho da Vila, etc.

Embora abarque quase todas as tendências, o grande destaque acaba sendo mesmo para a turma da bossa nova, que ao renovar o samba incluindo elementos jazzísticos, elevou a música brasileira a um novo patamar estético. O autor não disfarça a sua militância pela esfera do “banquinho e violão”. Quase todos os expoentes do movimento, incluindo seus precursores, batem ponto em “Tem Mais Samba”.

O livro é fundamental, embora algumas crenças de Tárik possam melindrar o leitor em suas preferências. No meu caso, achei injusto o desprezo a alguns artistas, como o subestimado Bebeto (tachado de mero “xerocador” de Jorge Ben Jor) e o incompreendido Benito de Paula (que boa parte da crítica trata pejorativamente de ícone do “Sambão Jóia”). De qualquer forma, a unanimidade nunca foi prova de valor e nem faz atravessar o samba.