quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Todos são iguais; alguns mais iguais que outros.

Cotação : 5 Estrelas.

Me considero uma pessoa de esquerda. A princípio, ler uma fábula sobre a Revolução Comunista Russa de 1917, escrita por um conhecido partidário da direita e conservador, como George Orwell, não me traria grandes emoções a nâo ser satisfazer a minha (parca) curiosidade intelectual. Ideologias à parte, " A Revolução dos Bichos" é uma obra prima.
A história dos porcos que dominam a fazenda, onde antes são "apenas" animais de criação, vale para todas as revoluções do mundo, sejam elas de direita ou de esquerda. O que de início se reveste de igualdade, em pouco tempo mostra a sua verdadeira face de intolerância e centralismo.Orwell capta de forma seminal esse espírito, fazendo uma crítica contundente, universal e , certamente, eterna. Prezar a igualdade, de certa forma, é respeitar as diferenças.


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Os Documentos e os Instrumentos da Biltz.



Cotação : 5 Estrelas


Rodrigo Rodrigues, aquele gordinho Tijucano que pilota o Bate Bola segunda edição na ESPN Brasil, resgatou 27 anos depois do estouro, a história da banda que deu o pontapé inicial na onda do Brock que tomou de assalto as paradas do início dos anos 80. Eu estava lá, vi e ouvi.
A trajetória da banda começa na verdade no fim dos anos 70, quando Evandro Mesquita e Patrycia Travassos (que embora nunca tenha feito parte da formação, sempre atuou nos bastidores, inclusive como compositora e diretora de alguns shows) batiam ponto no grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone, celeiro de outras futuras estrelas como Regina Casé e Luis Fernando Guimarães.  Nessa época, com trânsito fácil entre música e teatro, Evandro conhece o guitarrista Ricardo Barreto e começam, de forma despretensiosa, a levar um som. Em seguida, se juntam a Lobão, que fazia parte do grupo de apoio da cantora Marina. O embrião da Blitz estava formado.
Por sinal, o amalucado baterista (posição original de Lobão, que só em carreira solo assumiria a guitarra), foi o criador do nome do grupo, já que os caras viviam tomando duras naquela período pós hippie.
Por influência de Júlio Barroso e sua Gang 90, a formação incorpora duas backing vocals, o que daria um charme e um diferencial notável às músicas, em suma, permitiria que o vocal “falado” de Evandro tivesse uma resposta à altura. A musa Márcia Bulcão e a garota sangue bom Fernanda Abreu deram o colorido que faltava. O avião estava pronto para decolar.
Com a formação cristalizada, os shows no circuito alternativo carioca (incluindo o recém aberto Circo Voador, em seu início no Arpoador), logo, levaram a um destaque no meio. A EMI, esperta no lance, foi lá e contratou. O primeiro compacto, “Você não soube me amar”, jogou a banda nas alturas. O primeiro LP a jogaria nas Galáxias, mas, antes disso, Lobão, em um ato quase suicida, resolveu sair para lançar o seu disco solo, embora, em uma atitude que até hoje repercute, tenha participado da histórica sessão de fotos que colocou a Biltz na capa da “Isto É”, garantindo para si mesmo a mídia necessária para o seu disco a ser lançado.
O ano de 82 foi todo da banda, com apresentações quase diárias na televisão, culminando com a participação na tradicional festa da chegada de Papai Noel no Maracanã lotado. Eu estava lá também.
A brincadeira durou 3 discos e foi até o final de 1985, incluindo aí a histórica apresentação no primeiro Rock in Rio. O dinheiro, a fama, as exigências do sucesso acabaram desgastando a relação entre os componentes e o que era uma diversão acabou virando um emprego. Fim da linha para a Blitz.
Já nos anos 90, Evandro voltaria com a banda, que, desde então, em esquema novamente alternativo contando com várias formações, se reúne ocasionalmente para shows de revivals e eventuais discos. No detalhado e bem apresentado volume (que segue o ótimo projeto gráfico dos almanaques da Ediouro) , Rodrigo Rodrigues faz a história da Blitz descer redonda, como chopp com batatas fritas. Descem dois.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Um tostão de sua voz.

Cotação : ****

Em 1981, eu era um molecote de pouco mais de 6 anos e que se divertia  com os programas "Reapertura"(ainda que não entendesse a lógicas das piadas políticas e sacanas) e "Alegria 81". A Velha Surda, defendida com brio por Rony Rios; o faxineiro, inesquecível criação de Tutuca; os vários tipos e imitações do craque Geraldo Alves; Maria Tereza; Consuelo Leandro, etc. Mas, para mim, a grande atração mesmo era aquele "galã", de óculos enormes e roupas espalhafatosas, que sacava uma mandioca a cada abordagem às beldades do programa. Foi a minha primeira lembrança de Zé Bonitinho, a criação mais célebre do genial Jorge Loredo, ainda hoje um representante autêntico da fase áurea do humor televisivo.
O pequeno perfil publicado pela série Aplauso, escrito pelo jornalista Cláudio Fragata, resgata um pouco de sua longa e vitoriosa carreira. Em primeira pessoa, Loredo conta sem rodeios que boa parte de sua vida foi marcada por alguns dramas ocultos ao público pelo som das gargalhadas provocadas por seus personagens. O ator sofreu de Osteomelite  por mais de 30 anos, o que o levava à constantes internações (que duravam meses), o afastando do trabalho na TV e no escritório (Loredo sempre manteve uma carreira paralela de advogado). Também não teve pudores ao revelar o seu problema com o álcool, superado graças à ajuda dos AA.
Essa mini biografia joga um pouco de luz sobre um período fundamental na consolidação do humor em nossa TV: a passagem entre as décadas de 50 e 60, quando a TV Rio e (um pouco mais tarde) a TV Excelsior lançaram as bases de tudo que se faria no gênero pelos 30 anos seguintes. Jorge Loredo e seu Zé Bonitinho foram protagonistas dessa história.


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A mitológica trajetória da Pequena Notável


Cotação : 5 estrelas.

No dia 5 de agosto de 1995, estava eu matando aula na faculdade, sozinho, no antigo cinema Palácio 1, na Cinelândia, conferindo a estréia de "Banana is my business", documentário sobre Carmen Miranda, dirigido por Helena Soldberg.
Naquele dia, precisamente 40 anos depois da morte da Pequena Notável, pude enfim saciar parte da minha curiosidade sobre o ícone brasileiro. As vitórias e os dramas da cantora foram recontados com precisão e paixão pela diretora.
Dez anos depois, me surpreendo pela notícia de que a nova biografia de Ruy Castro versava justamente sobre Carmen. Comprei o livro assim que o vi nas lojas, no começo de dezembro de 2005, e pude, mais uma vez, testemunhar o talento incomum do autor para contar as histórias verdadeiras, muitas vezes opostas às imagens públicas de alegria, de alguns de nossos mitos culturais.
O livro recria todo o ambiente de malandragem do Rio antigo, onde Carmen foi criada, após ter vindo bem pequena de Portugal,despertando o seu interesse para a música popular que então tomava forma.
Ruy acerta ao atribuir o extraordinário sucesso da cantora à feliz associação de um repertório genuinamente popular (alimentado por Synval Silva, Assis Valente, Dorival Caymmi, Joubert de Carvalho, autor de "Taí", seu primeiro grande sucesso, Sinhô, Noel, Ary Barroso, entre outros) ao furor provocado pela massificação do maior meio de comunicação até então inventado, o rádio. Na esteira de tudo isso, a instalação de uma verdadeira indústria fonográfica (que aposentava as primitivas gravações mecânicas da década de 20, substituindo-as pelo novíssimo processo elétrico) alçaram a Pequena Notável ao posto de ídolo.
Sua ida para os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a colocou em um patamar quase mítico, ao lado do Mickey Mouse e do símbolo da Coca Cola, a diminuíram como cantora, já que a produção made in USA que passou a ser a base de seu repertório, não se comparava aos sambas e marchas que gravara no Brasil.
O caráter de novidade de sua figura extravagante, explorado nos inúmeros musicais da Fox rodados em technicolor, se esgotaria no pós guerra. A partir daí, Carmen seria "apenas mais uma" atriz estrangeira das produções americanas. Deixaria de fazer parte da elite da Fox e serviria como "escada" para comediantes consagrados , como os irmãos Marx, ou iniciantes, como o jovem Jerry Lewis.
Apesar dessa aparente "decadência", a cantora não pensava em voltar, sua vida estava plantada nos EUA, onde morava em um dos bairros mais elegantes de Los Angeles, ao lado de boa parte da família, vinda do Brasil.
Nessa fase, a artista começa a se sentir amargurada, tanto pelo sonho cada vez mais longe de ser mãe, como por arrastar um casamento infeliz com o americano David Sebastian, que, aparentemente interessado apenas em seu dinheiro, gerenciava a carreira de Carmen quase como um predador, negociando shows em Night Clubs e participações em caravanas pelo país, quase que diários. Essa rotina levou a artista a um processo de depressão, culminando com uma dependência de tranquilizantes e , nos períodos mais críticos, à internações em sanatórios com tratamentos à base de choques elétricos.
No final de 1954, Carmen está à beira de um colapso. Como último recurso, sua família, apoiada pelos médicos, resolvem a trazer de volta ao Brasil, ainda que para uma curta estada.
Em dezembro de 54, a estrela volta ao país após 14 anos. Se isola no Copacabana Palace onde, aos poucos, em contato com os velhos amigos e o ambiente de sua terra, parece recobrar o ânimo.
No início do ano já é vista em festas e concede rápidas entrevistas à imprensa. Conhece o maracanã e alguns dos novos cantores que despontaram após sua partida, reencontra os velhos companheiros, enfim, retorna à vida. Participa ativamente do carnaval de 1955, quando é saudada pelo público como nunca tivesse se afastado. Esse banho de vitalidade, leva alguns de seus familiares e amigos a pedirem pelo seu retorno definitivo. Era difícil. Existiam vários compromissos já agendados nos EUA. Era preciso retornar à roda viva do show business.
Além desses compromissos, havia ainda um pequeno detalhe que poderia vir a ser o renascimento profissional de Carmen Miranda. Nos anos 50, a televisão rapidamente se popularizava. Velhos astros do cinema, já sem espaço nos estúdios, migravam para a nova mídia com grande sucesso. A personalidade exuberante de Carmen parecia talhada à perfeição para o revolucionário veículo. A migração de sua carreira para a telinha parecia um caminho natural.
Infelizmente o que parecia ser o seu novo palco, foi testemunha do seu canto do cisne. Em 4 de agosto de 1955, uma sexta feira, Carmen gravava ao lado do anfitrião, uma participação especial no Jimmy Durante Show, transmitido pela NBC. Em meio a uma dança com o apresentador , Carmen para e cai. A orquestra interrompe a música, Carmen leva mão ao peito e reclama de falta de ar. A gravação logo recomeça, se encerrando com Carmen saindo por uma porta. Seria sua última imagem viva. Naquela madrugada, a cantora morreria em sua casa. Foi encontrada caída em seu quarto, segurando um espelho quebrado.
Seria enterrada uma semana depois, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Em uma das maiores manifestações populares da história da cidade.