sábado, 26 de novembro de 2011

A paixão maior da crítica mais temida do Brasil.


Cotação : 3 estrelas

Certa vez, ao ser entrevistada por Marília Gabriela, Bárbara Heliodora foi questionada sobre o porquê de se criticar uma peça logo na estréia, se, sabidamente para aqueles que militam no Teatro, um espetáculo só fica efetivamente pronto após um bom número de encenações. Sua resposta foi de um pragmatismo desconcertante : “ Se abriu o Teatro e estão cobrando ingresso...”
Essa franqueza tem feito ao longo das últimas quatro décadas, a carioca Bárbara Heliodora Carneiro de Mendonça, filha do ex craque, presidente do Fluminense e goleiro da Seleção Brasileira, Marcos Carneiro de Mendonça, se firmar como a principal crítica teatral do país. Seus temidos veredictos podem abreviar ou glorificar carreiras encenações, notadamente quando essas se debruçam sobre o maior dramaturgo da história e especialidade da autora : William Shakespeare.
“ O Homem político em Shakespeare” tem como base a tese de doutorado de Bárbara, defendida em 1975, na Escola de Comunicações e Artes da USP. Em uma análise tão sofisticada quanto acessível, é defendida a preocupação Shakesperiana em retratar o ambiente sócio político inglês e europeu do século XVI , investigando tanto a as origens filosóficas (com especial dedicação à influência das homílias religiosas) da formação intelectual do bardo inglês quanto à demonstração da visão política do autor em vários momentos de suas peças históricas.
Embora destinado a um público já com um certo grau de conhecimento da obra Shakesperiana, o livro pode e deve ser lido por quem ainda não se aventurou por suas peças. Serve como uma espécie de guia para ajudar a entender e a apreciar um dos marcos fundadores da arte cênica mundial, destacando seu forte viés político. DE quebra, Bárbara Heliodora ainda nos presenteia com um breve passeio pela história da Monarquia Inglesa entre os séculos XIV e XVI. Erudição pura ao alcance das massas.

domingo, 20 de novembro de 2011

Paulo Francis foi pro céu.


Cotação : 5 Estrelas

Assim como boa parte de seus leitores, tive uma relação complicada com Paulo Francis. Até 1992, a imagem que tinha do jornalista era a de uma figura de fala engraçada, muito imitada em programas humorísticos, que comentava coisas que não me diziam respeito em um noticiário a que eu não assistia, o Jornal da Globo.
A partir daquele ano, com a transferência de sua coluna bissemanal “Diário da Corte” para o jornal “O Globo” , pude enfim conhecer as idéias do veterano escriba. Foi ódio à primeira vista.
Preconceituoso, elitista, declaradamente de direita e polemista profissional, Paulo Francis fazia de sua tribuna um mural de provocações , muitas vezes batendo abaixo da linha da cintura sem qualquer constrangimento, quando por exemplo, grafou o nome do cineasta Cacá Diegues como Cocô Diegues. Antijornalismo total.
Paradoxalmente, a minha repulsa pelos conceitos emitidos por Francis, não me fazia deixar de ler sua coluna, em uma espécie de masoquismo intelectual. Na verdade, apesar de seus muitos defeitos, o grande atrativo do seu trabalho era o de abrir um leque infinito de opções culturais. A cada domingo (o único dia em que lia a sua coluna, também publicada às quintas), havia um mosaico de citações de escritores, dramaturgos, cineastas, intelectuais, políticos. Era praticamente impossível se manter imune a toda essa exposição de erudição. Por vias tortas, Francis provocava a elevação do gosto, quando muito da curiosidade de seus leitores. O engraçado é que só após a sua morte, e com o vácuo provocado pela extinção da coluna, pude perceber isso.
O breve perfil escrito com maestria por Paulo Eduardo Nogueira, não absolve Paulo Francis. As suas (muitas vezes) irresponsáveis opiniões (uma delas provocando o justo processo de Joel Rennó, ex presidente da Petrobras, o que para muitos provocou a sua morte), pouco afeita aos fatos, têm tanto espaço quanto a defesa de suas (poucas) qualidades gerando, junto com o belo documentário “Caro Francis”, de Nelson Hoineff (2009), um retrato fiel de uma das figuras mais importantes da imprensa brasileira no século XX.
Nos anos 90, havia uma banda de rock carioca batizada de “Paulo Francis vai pro céu”. De fato, a bancada celeste de polemistas ganhou um nobre representante.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Silvio Luiz- O Dono da Bola

Cotação : 5 estrelas

O talento de Silvio Luiz vai muito além do jornalismo esportivo. Basta dizer que ele começou em televisão em 1953, atuando como contra regra, produtor, ator, diretor e quase todas as funções que possíveis em uma emissora. Ingressou na TV Record ainda nos anos 50 (iniciou na TV Paulista), e participou do auge da emissora na década de 60 produzindo musicais ao lado de Miéle e Ronaldo Bôscoli, aliás foi nessa fase que conheceu a cantora Márcia, sua esposa até hoje.
No início dos anos 70, Silvio foi convocado por Carlos Manga para fazer parte de um dos mais emblemáticos programas da história da televisão, o famoso "Quem tem medo da verdade? ". Consistia de uma espécie de "julgamento" de uma personalidade, em que Carlos Manga fazia ás vezes de juiz e o júri, formado entre outros por Silvio Luiz, atuava quase como uma promotoria, acusando e não raro, humilhando os participantes, levando muitos às lágrimas (casos de Leila Diniz e Grande Otelo, por exemplo). Silvio era o mais raivoso deles. O vilão daquele programa, síntese do mundo cão.
Em 1977, a Record, em lenta decadência, é adquirida pelo grupo Silvio Santos e começa a investir em esportes. Silvio, então um desmotivado funcionário da emissora, aos 43 anos volta a trabalhar com futebol, ele já havia sido repórter em diferentes ocasiões, e no início da década, foi juiz da Federação Paulista. Aí começa uma magnífica história digna de ser relatada naquele quadro final da novela "Viver a Vida". A Record monta uma pequena equipe com Silvio como narrador, Flávio Prado, jornalista iniciante como repórter e Hélio Ansaldo como comentarista (mais tarde viria o lendário locutor paulista Pedro Luiz, o Lorde). Silvio, inspirado em Chacrinha, transforma as transmissões em verdadeiros shows, incluindo sonoplastia, brincadeiras, bordões inusitados ("pelas barbas do profeta", "pelo amor dos meus filhinhos") e muito, muito humor, arrebatando uma multidão de fãs, principalmente entre as crianças que começavam a acompanhar o velho esporte bretão, como esse leitor que vos escreve.
Wagner William relata com precisão e honestidade a trajetória única do irreverente locutor, não escondendo os seus inúmeros defeitos, mas realçando as virtudes de um dos mais admiráveis narradores que o Brasil já viu. O autêntico "dono da bola".