Cotação : 4 estrelas
“Cante sua aldeia e cantarás
o mundo”.
O
mote que segue ilustrando a obra de diversos autores ao redor de planeta, é
particularmente interessante quando aplicado aos chamados escritores
regionalistas, que despontavam no cenário brasileiro na década de 30. Raquel de
Queiroz, por ser mulher e pela pouca idade por ocasião de sua estréia, com o “O
Quinze”, foi, de longe, a mais inusitada dentre os seus companheiros de
geração, que incluíam Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos e ,
embora muita mais dedicado à política que à literatura, José Américo de
Almeida.
Muito
já se falou de “O Quinze”, obra clássica, pule de dez nas listas de
vestibulandos e que pode ser uma síntese do tema maior abordado ao longo da
obra da autora cearense : os sofrimentos e angústias do homem nordestino, tanto
no seu caráter social (se aproximando de Amado), quanto psicológico (seara de
Graciliano).O que poucos sabem, é que Rachel nos raros momentos em que se
afastou dessa atmosfera, ainda assim, a autora manteve uma linha tênue de
ligação entre as suas obras mais típicas. “O Galo de Ouro” é um exemplo claro
dessa premissa.
O
livro foi escrito sob encomenda, para sair em capítulos pela Revista “O
Cruzeiro”, no ano de 1950. Seu cenário é a Ilha do Governador, então um bairro
afastado da região metropolitana do Rio de Janeiro (em tempos pré-Linha
Vermelha e de uma incipiente Avenida Brasil, então chamada de Variante) que
serve como símbolo do Rio suburbano de então, repleto de malandros, sincretismo
religioso, jogo do bicho, policiais corruptos. Uma mistura folclórica que, a
princípio, teria pouca ou nenhuma relação com o árido Nordeste da esfera
ficcional da autora e, é justamente aí, nessa receita de unir elementos
estranhos à sua formação para construir um grande romance que se disfarça de
folhetim, é que está a mágica da ficcionista.
O
personagem principal é Mariano, que logo no início, perde a jovem esposa em um
acidente, ficando com uma filha recém nascida para criar. As tentativas de
refazer sua vida, trabalhando em vários empregos e se aventurando em um novo
casamento, é o drama que move “O Galo de Ouro”. Mariano, em seu sofrimento de
excluído social, nada fica a dever às criações de Jorge Amado e Graciliano,
que, no fundo, embora ambientadas a milhares de quilômetros da Ilha do
Governador, contam a mesma história, focada nas crenças e esperanças do homem
do povo.
A
maestria de Rachel de Queiroz permite também comparação com Nelson Rodrigues,
mestre do mundo ficcional suburbano, que também fez uso do roamnce-folhetim
para apurar os dramas da gente comum.
Um
livro raro, de uma autora consagrada, que mesmo longe de sua aldeia, cantando
terras alheias e personagens estranhos, canta, magistralmente, o mundo.