sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Cantando Aldeias


Cotação : 4 estrelas


“Cante sua aldeia e cantarás o mundo”.

O mote que segue ilustrando a obra de diversos autores ao redor de planeta, é particularmente interessante quando aplicado aos chamados escritores regionalistas, que despontavam no cenário brasileiro na década de 30. Raquel de Queiroz, por ser mulher e pela pouca idade por ocasião de sua estréia, com o “O Quinze”, foi, de longe, a mais inusitada dentre os seus companheiros de geração, que incluíam Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos e , embora muita mais dedicado à política que à literatura, José Américo de Almeida.

Muito já se falou de “O Quinze”, obra clássica, pule de dez nas listas de vestibulandos e que pode ser uma síntese do tema maior abordado ao longo da obra da autora cearense : os sofrimentos e angústias do homem nordestino, tanto no seu caráter social (se aproximando de Amado), quanto psicológico (seara de Graciliano).O que poucos sabem, é que Rachel nos raros momentos em que se afastou dessa atmosfera, ainda assim, a autora manteve uma linha tênue de ligação entre as suas obras mais típicas. “O Galo de Ouro” é um exemplo claro dessa premissa.

O livro foi escrito sob encomenda, para sair em capítulos pela Revista “O Cruzeiro”, no ano de 1950. Seu cenário é a Ilha do Governador, então um bairro afastado da região metropolitana do Rio de Janeiro (em tempos pré-Linha Vermelha e de uma incipiente Avenida Brasil, então chamada de Variante) que serve como símbolo do Rio suburbano de então, repleto de malandros, sincretismo religioso, jogo do bicho, policiais corruptos. Uma mistura folclórica que, a princípio, teria pouca ou nenhuma relação com o árido Nordeste da esfera ficcional da autora e, é justamente aí, nessa receita de unir elementos estranhos à sua formação para construir um grande romance que se disfarça de folhetim, é que está a mágica da ficcionista.

O personagem principal é Mariano, que logo no início, perde a jovem esposa em um acidente, ficando com uma filha recém nascida para criar. As tentativas de refazer sua vida, trabalhando em vários empregos e se aventurando em um novo casamento, é o drama que move “O Galo de Ouro”. Mariano, em seu sofrimento de excluído social, nada fica a dever às criações de Jorge Amado e Graciliano, que, no fundo, embora ambientadas a milhares de quilômetros da Ilha do Governador, contam a mesma história, focada nas crenças e esperanças do homem do povo.

A maestria de Rachel de Queiroz permite também comparação com Nelson Rodrigues, mestre do mundo ficcional suburbano, que também fez uso do roamnce-folhetim para apurar os dramas da gente comum.

Um livro raro, de uma autora consagrada, que mesmo longe de sua aldeia, cantando terras alheias e personagens estranhos, canta, magistralmente, o mundo.


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