sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A mitológica trajetória da Pequena Notável


Cotação : 5 estrelas.

No dia 5 de agosto de 1995, estava eu matando aula na faculdade, sozinho, no antigo cinema Palácio 1, na Cinelândia, conferindo a estréia de "Banana is my business", documentário sobre Carmen Miranda, dirigido por Helena Soldberg.
Naquele dia, precisamente 40 anos depois da morte da Pequena Notável, pude enfim saciar parte da minha curiosidade sobre o ícone brasileiro. As vitórias e os dramas da cantora foram recontados com precisão e paixão pela diretora.
Dez anos depois, me surpreendo pela notícia de que a nova biografia de Ruy Castro versava justamente sobre Carmen. Comprei o livro assim que o vi nas lojas, no começo de dezembro de 2005, e pude, mais uma vez, testemunhar o talento incomum do autor para contar as histórias verdadeiras, muitas vezes opostas às imagens públicas de alegria, de alguns de nossos mitos culturais.
O livro recria todo o ambiente de malandragem do Rio antigo, onde Carmen foi criada, após ter vindo bem pequena de Portugal,despertando o seu interesse para a música popular que então tomava forma.
Ruy acerta ao atribuir o extraordinário sucesso da cantora à feliz associação de um repertório genuinamente popular (alimentado por Synval Silva, Assis Valente, Dorival Caymmi, Joubert de Carvalho, autor de "Taí", seu primeiro grande sucesso, Sinhô, Noel, Ary Barroso, entre outros) ao furor provocado pela massificação do maior meio de comunicação até então inventado, o rádio. Na esteira de tudo isso, a instalação de uma verdadeira indústria fonográfica (que aposentava as primitivas gravações mecânicas da década de 20, substituindo-as pelo novíssimo processo elétrico) alçaram a Pequena Notável ao posto de ídolo.
Sua ida para os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a colocou em um patamar quase mítico, ao lado do Mickey Mouse e do símbolo da Coca Cola, a diminuíram como cantora, já que a produção made in USA que passou a ser a base de seu repertório, não se comparava aos sambas e marchas que gravara no Brasil.
O caráter de novidade de sua figura extravagante, explorado nos inúmeros musicais da Fox rodados em technicolor, se esgotaria no pós guerra. A partir daí, Carmen seria "apenas mais uma" atriz estrangeira das produções americanas. Deixaria de fazer parte da elite da Fox e serviria como "escada" para comediantes consagrados , como os irmãos Marx, ou iniciantes, como o jovem Jerry Lewis.
Apesar dessa aparente "decadência", a cantora não pensava em voltar, sua vida estava plantada nos EUA, onde morava em um dos bairros mais elegantes de Los Angeles, ao lado de boa parte da família, vinda do Brasil.
Nessa fase, a artista começa a se sentir amargurada, tanto pelo sonho cada vez mais longe de ser mãe, como por arrastar um casamento infeliz com o americano David Sebastian, que, aparentemente interessado apenas em seu dinheiro, gerenciava a carreira de Carmen quase como um predador, negociando shows em Night Clubs e participações em caravanas pelo país, quase que diários. Essa rotina levou a artista a um processo de depressão, culminando com uma dependência de tranquilizantes e , nos períodos mais críticos, à internações em sanatórios com tratamentos à base de choques elétricos.
No final de 1954, Carmen está à beira de um colapso. Como último recurso, sua família, apoiada pelos médicos, resolvem a trazer de volta ao Brasil, ainda que para uma curta estada.
Em dezembro de 54, a estrela volta ao país após 14 anos. Se isola no Copacabana Palace onde, aos poucos, em contato com os velhos amigos e o ambiente de sua terra, parece recobrar o ânimo.
No início do ano já é vista em festas e concede rápidas entrevistas à imprensa. Conhece o maracanã e alguns dos novos cantores que despontaram após sua partida, reencontra os velhos companheiros, enfim, retorna à vida. Participa ativamente do carnaval de 1955, quando é saudada pelo público como nunca tivesse se afastado. Esse banho de vitalidade, leva alguns de seus familiares e amigos a pedirem pelo seu retorno definitivo. Era difícil. Existiam vários compromissos já agendados nos EUA. Era preciso retornar à roda viva do show business.
Além desses compromissos, havia ainda um pequeno detalhe que poderia vir a ser o renascimento profissional de Carmen Miranda. Nos anos 50, a televisão rapidamente se popularizava. Velhos astros do cinema, já sem espaço nos estúdios, migravam para a nova mídia com grande sucesso. A personalidade exuberante de Carmen parecia talhada à perfeição para o revolucionário veículo. A migração de sua carreira para a telinha parecia um caminho natural.
Infelizmente o que parecia ser o seu novo palco, foi testemunha do seu canto do cisne. Em 4 de agosto de 1955, uma sexta feira, Carmen gravava ao lado do anfitrião, uma participação especial no Jimmy Durante Show, transmitido pela NBC. Em meio a uma dança com o apresentador , Carmen para e cai. A orquestra interrompe a música, Carmen leva mão ao peito e reclama de falta de ar. A gravação logo recomeça, se encerrando com Carmen saindo por uma porta. Seria sua última imagem viva. Naquela madrugada, a cantora morreria em sua casa. Foi encontrada caída em seu quarto, segurando um espelho quebrado.
Seria enterrada uma semana depois, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Em uma das maiores manifestações populares da história da cidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário