Cotação : 5 estrelas
Se compararmos o processo de criação da
teledramaturgia, em especial de seu produto mais típico, as novelas, com o
cinema, a figura do diretor tende a ter uma porção consideravelmente menor de
reconhecimento em relação a autores e atores. Experimente lembrar de primeira,
sem recorrer a qualquer fonte de consulta, os atores principais de uma novela
icônica, como Vale Tudo, por exemplo
? É provável que você se lembre de alguns (Antônio Fagundes, Beatriz Segall) e
, além deles, do autor, Gilberto Braga. Pouquíssimos devem ter memória de que
aquele grande sucesso foi dirigido por Dennis Carvalho.
A lógica muda radicalmente quando
falamos de cinema. Em geral, e por mais que disponha de atuações destacadas e a
despeito do roteiro, um filme é em última instância uma obra de diretor. Nesse
aspecto, pode-se dizer que Walter Avancini foi talvez o mais influente ( e
cinematográfico) realizador da teledramaturgia brasileira. Em todos os
trabalhos em que esteve envolvido, deixou de forma indelével a sua marca.
Em “O Último Artesão” ( Gryphus, 2005),
a atriz e jornalista Ângela Brito coleta 52 depoimentos de atores e técnicos
que trabalharam com Avancini em sua longa trajetória televisiva, composta por
passagens pela Excelsior, Tupi, Bandeirantes, SBT, Manchete e Globo.
Há alguns anos, ao rememorar o começo de
sua carreira, Regina Duarte afirmava que a sua formação de atriz, basicamente
desenvolvida na televisão, foi inteiramente moldada pelo diretor com quem
trabalhou em nove oportunidades, incluindo aí a mais emblemática telenovela
estrelada pela “namoradinha do Brasil”, Selva
de Pedra. O depoimento de Regina, uma das entrevistadas no livro, dá uma
tônica do que seria uma impressão quase unânime em relação à Avancini : alguém
de inegável valor, capaz de formar atores, mas ao mesmo tempo, um diretor de
métodos extremamente duros. Capaz de melindrar os mais sensíveis e exasperar a
equipe , levando todos ao limite. Tudo pela verdade de uma cena.
Não era incomum que ele interrompesse
uma gravação, que a seu critério não corria a contento, e provocasse
deliberadamente os atores envolvidos, há relatos inclusive de discussões
pesadas que quase chegavam à agressão, só para deixá-los raivosos. Quando o
trabalho era retomado, o desempenho, impulsionando pelo estado emocional
alterado, geralmente era de qualidade superior. Tática de guerra a serviço da
arte.
Chega a ser curioso como os depoimentos
são coincidentes sobre determinadas características obsessivas de Avancini :
atores não podiam ensaiar com o texto à mão, que devia ter sido estudado com
antecedência; jamais sentar ou descansar na mobília ou demais componentes de
cena; não eram admitidas conversas ou brincadeiras entre a equipe técnica e os
atores, estes últimos deveriam estar em atmosfera plena de concentração. No
caso de violação dessas ou outras regras, o lado carrasco aparecia : broncas
homéricas distribuídas democraticamente, desde o funcionário da limpeza até a
estrela consagrada.
Mesmo com essa aura de tensão e
cobranças permanentes, o saldo da leitura de “O último Artesão” é o de que a
oportunidade de trabalhar com Avancini foi um divisor de águas na carreira dos
profissionais entrevistados para a obra.
Certa vez, Janete Clair afirmou que a
vida de qualquer pessoa daria uma novela. Walter Avancini foi além : fez da
novela a sua vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário